A Janela

Luiz Alves
3 min readDec 28, 2020

--

Marcos está parado à beira da janela de seu quarto.

É difícil saber por quanto tempo ele estava lá, parado, com uma postura fixa de quem vira algo tão profundo que paralisara a alma. Seus braços não se mexem, e a posição de estátua o faz parecer um daqueles sonâmbulos esquisitos. Os óculos característicos não estavam em seu rosto, mas, ainda assim, seu olhar fixo apontava para um horizonte próximo, mantendo-o firme e contemplativo.

O vento gelado da noite que entra pelas frestas da janela não o tira de sua posição, tampouco as conversas das pessoas na rua abaixo. A essa hora, era comum que alguns moradores de rua se agrupassem abaixo da marquise do prédio em busca de alguma proteção, enroscando-se nos lençóis e tentando garantir a mínima proteção de seus pertences. A rua, ainda iluminada, já não é mais como durante o dia, e nem mesmo o velho boteco encontra-se aberto para aquela saideira do pinguço ilustre da rua.

No horizonte, o grande prédio da companhia de gás está iluminado para as festas natalinas, podendo ser visto de longe, mesmo por um míope sem óculos. As luzes dos prédios vizinhos estão quase todas apagadas, afinal, já não é horário usual para a maioria das pessoas estar acordada.

“A man at the window”, Wojtek Kogut, 2016.
“A man at the window”, Wojtek Kogut (2016)

O vento frio entrou pelo quarto e se espalhou pela sala do apartamento, fazendo balançar os quadros mal pendurados e provocando aquele uivo típico do ar invadindo pequenas ou médias frestas nas janelas. A pequena janela da sala, segurada por um velho ferrolho enferrujado, bate insistentemente e melancolicamente a cada sopro, causando um pequeno barulho insuficiente para tirar alguém de um sono pesado.

Na sala, uma grossa vela amarela arde com uma considerável parte de sua cera derretida. Seu agradável aroma artificial de baunilha é levado para os outros cômodos, chegando mesmo ao corredor do andar, penetrando suavemente nas portas dos vizinhos.

Alguns sussurros na porta ao lado rapidamente se transformam em um profundo silêncio. Aparentemente, a vizinha medrosa ouvira novamente um barulho estranho e acordou o marido, mas este, disfarçando seu medo maior em indiferença, decidiu que deveriam voltar ao sono cansado de mais um dia de trabalho e monotonia.

O som das polias de tração se destacava naquele silêncio críptico. O elevador subia.

Ao abrir a porta, as luzes automáticas dos corredores se acendem. Os sons dos passos seguindo pelo corredor ecoam na mente de Marcos, ele os reconhece, sabe o que virá depois. Sua mente sibila tão forte que quase é possível escutar o silêncio que emana de sua postura ereta.

O vento foi soprado em mais uma rajada, esta mais fria que as anteriores. Marcos continua parado, os olhos abertos, o vento gélido acertando sua face de forma implacável, sem encontrar reação.

Isabella chega na sala e o aroma da vela a faz sentir algo dúbio… “a favorita de Marcos”, pensou. Tinha certeza de que não esquecera uma vela acesa em cima da estante de madeira, o medo de incêndios fazia com que relutasse a acendê-la mesmo quando estava em casa. O vento frio que vinha do quarto a levou rapidamente até lá. Entrou, e, decididamente, fechou a janela. Contrariada, suspirou e pensou como se falasse em voz alta:

- Podia jurar que tinha fechado esta janela antes de sair.

--

--

Luiz Alves

Historiador, leitor de literatura fantástica, de horror e de crime. Escritor ocasional de coisas variadas.